A Profissão Mãe, por Ana Paula Peloso e S. Matos

É injusto!
Ser mãe é a profissão mais banalizada que existe. De certo pelo fato de ela estar sempre ali: não fazendo falta.
Não é por não ter importância, mas sim porque toda mãe sempre está presente. E por sempre se fazer presente, nunca dão pela sua falta – acostuma-se com ela, e ela se torna banal.
Pergunte ao órfão do que ele sente mais falta. É que a mãe, nesse caso, não se tornou banal. Para ele mãe não é um complemento da casa: um adorno da casa ou o móvel antigo que precisa ser reciclado... é que para ele mãe faz falta.
Está tudo errado!
Mães, vamos formar uma associação, lutar por nosso reconhecimento, fazer frentes ao governo!
Não. Isso também não está certo. Revoltar-se não combina com essa profissão – ser mãe.
- Minha senhora, qual é a sua profissão?
- Sou... sou... mãe de quatro filhos. E não me olhe desse jeito: tenho orgulho de ser mãe apesar de não ter direitos trabalhistas.
- Como?
- É, eu não tenho direito à licença médica, não tenho folgas semanais, não recebo horas extras... Êpa! Não tenho salário.
- (silêncio)
- Ter salário... não ter um salário. Não, não dá para ter um salário: é que o meu trabalho é imensurável, é que o meu êxito é impagável com o vil metal. Pensa: qual valor monetário pagaria de forma satisfatória e equivalente o meu trabalho?
Esse valor não há sobre a Terra, porque esta é a única profissão que não comporta substituições. Que valor pagaria um trabalhador insubstituível?
- (?)
- Também não há como mudar de ambiente de trabalho no dia em que me sentir cansada, ou entediada, ou desvalorizada. No fundo, eu acabaria infeliz se eu mudasse de lugar.
Concluindo (eu comigo mesma – uma certeza em meu coração ou um consolo?): a profissão mãe é sobrenatural e o meu trabalho só será recompensado no seu término – e o meu patrão é Deus, O Justo!

Para os sem objetivo, por Ana Paula Peloso e Silva Matos

Lendo o conto de Clarice Lispector chamado “A Galinha” eu me impressionei com como uma história tão casual pode despertar reflexões profundas que nos levam a certezas contundentes. Mas assim é Clarice: ela mexe comigo. O que ela escreve deve ser sempre relido, pois a primeira leitura é paralisante. É na segunda leitura que ocorre o deleite. Do conto “A Galinha” surgiu em mim esta reflexão:

Para os sem objetivo

É certo que o simples existir não nos torna especiais. Nem imortais. A morte, cedo ou tarde, virá para todos. É verdade. Por isso o fazer-se especial durante a existência é o que nos torna imortais – nas recordações e nas saudades dos outros. É preciso ter o cuidado de não ser somente mais um. Antes de mim já vieram milhares de milhares, e depois de mim, o infinito é o limite (ou o apocalipse). Portanto coragem é pungente – a coragem de não me fazer somente mais uma na multidão. Se eu for imortal pelo menos por mais uma vida – a de quem se lembrar de mim e sentir saudades de mim – já valeu o esforço. Não quero ser a “galinha” da vez e resumir o meu existir numa morte pela (ou para) a sobrevivência alheia.

Ana Paula Peloso e Silva Matos